Idos amores
Ademir Braz
O espelho me devolve a barba de vários dias :
umas cerdas brancas, duras, de velho cuandu.
Deve ser esse fascínio dos 600 anos ... Para onde
fluíram em maciez e furor as antigas manhãs ?
o espanto de fardos e fados rarefeitos, verbo
O cuandu ri no espelho ... Envelhecer é isto ?
de cães sarnentos e gatos de beco . Trago n’alma
a enseada morna que os abriga e aos amigos .
Dessas coisas claras , certifico. Mas o que faço
das lembranças , tumultuárias buganvílias?
Os amores, comparo-os às tainhas de Maiandeua.
a saltar entre a praia do porto e o manguezal .
Se o tempo as trazia, em época exata de chuva e sol ,
fervilhava o mar sob redes e barco , e pescadores
colhiam mais cardumes que poderiam consumir
prateavam de escama a fímbria macia do areal .
(As tainhas que amei, também migraram. Foram
(ainda que tenham durado a sina de uma rosa )...
A muito amada sentou-se no muro e por trás dela
Era um lugar de nome indígena, algo quase assim:
a muito amada vinha do colégio e eu , de muito longe :
da terra mesopotâmica do sol , a mochila encardida
do pó que o vento espalha ao norte dos agrestes .
e dei com esse vento de soturna lágrima e adeus .
e transmutei-me em pássaro sem abrigo ou canto
e desde então peregrinei sem causa à parte alguma.
a espiar navios feéricos sobre o verde mar .
Na cidade de cal , perdida no silêncio do cerrado ,
a namorada levou seu visitante a um lugar estranho
- o centro geodésico de alguma coisa – onde havia
uma placa , seixo sem valor e um círculo cimentado
Trouxe no bornal - e ainda deve estar aí nalguma parte -
do que fora abissal rochedo de oceano profundo .
Bebia aguardente e cerveja no bar soturno (só o dono
está bem vivo e úmido à porta , os seios de romã , a face
e solta o corpo esguio numa cadeira mais ao longe .
Ergo-me e dou a mão ao fado inscrito na noite suja .
fugiremos para as estrelas acima da tempestade , rumo
às galáxias e outros sóis. Nunca mais voltarei! Mas antes
de largar-me quase morto à margem do trago e das taças ,
Um comentário:
Caro amigo e colega.
Tuas lembranças são substanciais e maravilhosas, pois teus pés andaram por muitos caminhos e o teu coração de poeta abriu-se para muitos amores.Tens muitas histórias a contar e sabes contá-las com a beleza poética que poucos sabem manusear, porisso, mesmo quando falas de tristeza a beleza sobressai e o triste não fica tão triste.Saint Exupéry que muitos só conhecem pelo "Pequeno Príncipe" tinha uma alma inquieta e questionadora como a tua e em seu livro Terra dos Homens escreveu o seguinte:“ Nada vale o tesouro de tantas recordações comuns, de tantas horas más vividas juntos, de tantas desavenças, de tantas reconciliações, de tantos impulsos afetivos. Não se reconstroem essas amizades. Seria inútil plantar um carvalho, na esperança de ter, em breve, o abrigo de suas folhas, assim vai a vida. A principio enriquecemos; plantamos durante anos, mas os anos chegam, em que o tempo destrói esse trabalho, arranca essas arvores. Um a um, os companheiros nos retiram sua sombra. E aos nossos lutos mistura-se a mágoa secreta de envelhecer.” (Saint Exupéry - Terra dos Homens)
Na verdade o tempo flui e nada pode detê-lo e a nós só nos resta acompanhá-lo da melhor maneira possível, amoldando-nos a ele e às estranhezas físicas e mentais que traz.É bom ver-te mais maduro, como o vinho, melhorando o teu interior a cada dia que passa e sendo sempre o Ademir autentico que não trai os seus principios em troca de nada.Para muitos pode ser dificil entender-te, mas os que te conhecem melhor, te entendem e apreciam assim como és.Que DEUS te abençoe ao longo da vida e, sobretudo, neste outono que avança sobre ti na flor dos 15 anos vezes 4.
Um abraço do amigo e colega.
Plinio Pinheiro Neto
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