quarta-feira, 13 de junho de 2007
Requentando o sarau
Sarau faz elo entre artistas e estudantes da rede pública
(Reportagem de Ulisses Pompeu no Correio do Tocantins, de 08.06.2007)
O universo imaginário dos artistas e a realidade de centenas de estudantes da rede pública de Marabá marcaram encontro na noite da última quarta-feira (6) na praça São Félix de Valois, na Marabá Pioneira. Em dois palcos montados pela coordenação, os alunos ocuparam o lugar dos artistas e estes ficaram na condição de ouvintes, numa comungação de leituras de obras nunca vista na história da arte local.O evento em questão era o I Sarau Lítero-Musical de Marabá, promovido pela Secult (Secretaria de Estado de Cultura), em parceria com a Prefeitura de Marabá, 4ª URE (Unidade Regional de Educação) e UFPA. Estudantes de 16 escolas foram confrontados com obras dos artistas locais Ademir Braz, João Brasil, Jorge Luís Ribeiro, Rildo Brasil e Marcos Quinan, este último de Belém.O Sarau foi discutido em um esforço coletivo das secretarias municipais de Educação, Cultura e 4ª URE, como condição prévia para realização em Marabá da I Conferência Municipal de Cultura, que acontece neste domingo, na escola Judith Gomes Leitão, na Marabá Pioneira, durante todo o dia.Entre os momentos marcantes do Sarau estiveram os bate-papos com os artistas homenageados, que falaram do prazer e das dificuldades da produção literária em terras amazônicas. O memorialista João Brasil Monteiro relembrou os tempos saudosos das navegações pelo rio Tocantins e lamentou a construção da hidrelétrica de Tucuruí, que engessou a vida dos ribeirinhos.Marcos Quinan disse como se inspirou em fatos históricos paraenses, como a Cabanagem, que povoou o universo de suas obras, para escrever romances e poesias. Questionado pela estudante Carina Borges, de 9 anos da escola O Pequeno Príncipe, sobre como definia sua poesia, o artista foi lacônico: “Eu dependo da poesia, não ela de mim”.Ademir Braz sensibilizou o público presente ao relembrar a vida pacata dos nativos de Marabá e mostrar como tem usado sua arte para analisar a ocupação em massa desta região nas últimas décadas.AusênciaEmbora fizesse parte da organização do Sarau, a equipe do Campus local da Universidade Federal do Pará não participou do evento, seja através de painéis ou apresentações no palco como forma de homenagem ao poeta Ademir Braz, como a própria UFPA se comprometeu, segundo observou Vera Froz, coordenadora de Ensino da Semed. Certamente, o evento seria mais enriquecido se tivesse apresentado o trabalho de Pagão, como Ademir também é conhecido.ProgramaçãoPara muita gente que foi à praça São Félix, o I Sarau Lítero-Musical de Marabá não pode ficar apenas na primeira edição, devendo ser realizado com periodicidade curta e envolvendo mais artistas e escolas.Além dos bate-papos, intercalados entre apresentações de alunos, o Sarau contou com a performance da Banda Marcial de Marabá, com choro de Carimbó; releitura de obra de Marcos Quinan por alunos da escola municipal São José e interpretação do poema “Tua Janela”, do mesmo autor, por estudantes da escola Walquise Viana.Na seqüência, foram ao palco alunos da escola São Félix para dramatizar “Zé Búgio”, e do colégio Luzia Nunes Fernandes, para interpretar numa bela canção o poema “Quilômetro 6”, de Jorge Luís Ribeiro. O conto Breganha, de Quinan, transformou-se em dramatização alegre por alunos do colégio Plínio Pinheiro.Confira abaixo asdemais apresentações:- Escola O Pequeno Príncipe (teatro mudo com o musical “Nhanancinha e Bartolomeu”);- “Estilhaços entrelaçados”, com professores do 1º ao 5º ano;- Coreografia da música “Essa Menina”, de Marcos Quinan, por alunos do colégio Gabriel Sales Pimenta;- Dramatização do poema “Moça Bonita”, de Quinan;- Dramatização do poema “Quilômetro 6”, de Jorge Luís Ribeiro, pela escola Irmã Theodora;- Dramatização do conto “João Colonato e Tenonai”, de Marcos Quinan;- Coreografia “Sertão da minha Alma”, por alunas do projeto Dançando e Educando;- Dramatização do conto “La linha”, de Marcos Quinan;- Rap da poesia “Feira da 28”, de Jorge Luís Ribeiro.
“O que fundamenta minha vida é minha arte”, diz Ademir Braz
O poeta Ademir Braz se disse encantando com o contato com o público jovem, notadamente estudantes do ensino fundamental e médio durante o I Sarau Lítero-Musical de Marabá. Ele relembrou que em 1992 ele participou do projeto “O escritor na cidade”, do governo federal, que levava o artista de uma cidade para um bate-papo com estudantes de outra região. Nessa oportunidade, ele foi a Belém, Santarém, Bragança, Ananindeua, Barcarena e Capanema. Mais recentemente, em 2003, teve participação também na Feira Pan-Amazônica do Livro, em Belém, onde lançou o livro Rebanho de Pedras e foi saraivado de questionamentos por estudantes do ensino fundamental. Esse mesmo sentimento de felicidade ocorre agora, com o convite para participar de uma iniciativa dessas, como forma de antecipação da Feira Pan-Amazônica do Livro, que vai ocorrer em setembro.NovidadesPagão, como também é conhecido, antecipa que está preparando um romance tendo como pano de fundo a colonização de Marabá, tendo como personagens: castanheiros, tropeiros, lavadeiras, entre outras pessoas que dedicaram suas vidas para o crescimento da cidade e não são lembrados. “Estou escrevendo a história dos vencidos, os que de fato colonizaram esta região”, justifica.Além disso, Ademir revela que está concluindo uma segunda antologia poética nas áreas de crônica e conto. Tenho dificuldade financeira muito grande para dar continuidade ao meu trabalho. Mas sempre que possível avanço pela madrugada produzindo, porque o que fundamenta minha vida é minha arte. Ela é um compromisso com o meu tempo e minha história”, desabafa Pagão, que também é jornalista e advogado.Marcos QuinanTambém ouvido pela reportagem, o escritor Marcos Quinan se disse encantado com a interação que está tendo de sua produção artística no interior. Neste ano, os organizadores da Feira Pan-Amazônica do Livro priorizaram a integração da literatura que se faz no Estado. Escolhido pela Secult (Secretaria de Estado de Cultura) para percorrer alguns municípios do interior, Quinan esteve em Parauapebas e Marabá. Aqui, ele ficou deslumbrado com as releituras feitas de poemas, contos e interpretações de suas canções. “Confesso que nunca imaginei que pudesse haver tanta versatilidade em torno de meu trabalho. Estou deslumbrado com o que vi aqui através da rede escolar”, revelou.
Égua! Musicaram o “Quilômetro 6”
Foi uma apresentação primorosa. Quem conhece o poema Quilômetro 6, de Jorge Luís Ribeiro, como eu, ficou encantado com o rap criado por alunos da escola Luzia Nunes Fernandes. O público foi tocado, envolvido e o autor do poema, Jorge Luís, ficou emocionado pela releitura que fizeram de sua obra. O velho Quilômetro 6 está mudado. Transferiram a feira para uma rodoviária, mas o furdunço que existia quando a maioria dos ônibus que saia da cidade passava por ali ficou congelado em poesia e na atual geração de estudantes. A noite na Toca do Manduquinha teria sido paga apenas por aquela interpretação.
“Égua, musicaram o Quilômetro Seis”, eu disse durante a música. Nesse instante, me aproximei de Jorge Luís Ribeiro e lhe disse que havia me emocionado com a música como se fosse o autor do poema. Trocamos algumas palavras e ele sugeriu retomarmos os “contos relâmpagos” que publicávamos nesta coluna na década de 1990, de sua autoria. Eu dei minha palavra a ele, porque Jorge Luís tem uma sensibilidade poética invejável e elege verbos nos contos que têm força de substantivo, adjetivos e advérbios juntos.Também foi muito interessante a releitura do mesmo poema Quilômetro 6 produzida de forma dramática por alunos da escola Irmã Theodora. A leitura foi feita na íntegra e os estudantes circulavam pelo palco como se percorressem a bagaceira do Quilômetro 6, a vila-restaurante-bordel-rodoviária, que o prefeito Geraldo Veloso teve pulso para desfazer porque transformou-se em um cartão postal negativo da cidade.
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3 comentários:
O evente certamente foi uma maravilha. Tive oportunidade de conhecer alguns trabalhos seus através do meu grande amigo Poeta Néviton, quando me tornei admirador. Belos poemas cantados, gravados em uma pérola de CD que tive a honra de ouvir.
Marcones José.
Névito Ferreira, Dauro Remor e Ricardo Smith são parceiros com que já estouramos em festivais em Marabá e até em Bragança. Em vários Fecans fomos classificados para as finais e recebemos prêmios.
Tenho certeza que você vai adorar se, um dia, ouvir Quintal, Varandais e outras parcerias nossas.
Wada Paz, um santareno dos bons, é parceiro mais antigo. Nos anos 70 ele gravou um LP "Maleáveis, flexíveis", onde até o bom Waltger Bandeira canta coisa nossa (A terceira mutação de Esoj). No disco seguinte, Ama Zona, lançado já na segunda metade dos anos 80, temos umas 5 ou 6 parcerias igualmente simpáticas.
Fiquei impressionado com a qualidade das letras e da musicalidade do CD guardado a 700 chaves pelo Néviton, que só nos apresentou (Eu, Marcone Leite, Vieira e Marden) após umas boas canas e uma banda de paca assada no fogareiro. Ouvimos até o amanhecer do dia, nos intervalos Ferreira nos agraciava com seu também raro violão, cantando Paulinho Pedra Azul, estou com saudades do sacana, sou fã de carteirinha, além de amigo!!!
Marcones José.
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