quarta-feira, 25 de abril de 2007
Outros tempos
(A meu filho Giordano Bruno)
Dona Carmina, em sua pobreza,
fazia um presépio na sala
onde Basílio armava
discursos grandiloqüentes.
(Basílio¹ era um deles;
Pedro² e Cursino³, os outros,
os três reis negros, de gênio,
que incendiavam o Fórum
quando inda havia Justiça)
O povo todo amava
o presépio de Carmina!...
Seus bois, carneiros, burricos
(que a gente só conhecia
entre cercas de outros donos)
eram também dos vizinhos,
eram meus e de quem mais.
Às vezes, tinha a luz:
se do presépio, não sei,
ou se do meu coração;
sei que o Menino ficava
cheio de luz na casinha
iluminada a candeia
onde morava Carmina.
E que beleza, meu Deus,
esse Menino risonho
na conchinha de capim!
“Quando eu crescer,
terei assim um pretinho
que vai roubar as goiabas
no quintal de nhá Carmina
e falar muito bonito
como fala seu Basílio...”
Pedro, Basílio, Cursino,
foram-se todos no tempo,
os magos e seu encanto.
Pretinhos, eu já os tive
e cresce a prole vizinha;
e quando fizer-se o tempo
(e o tempo está se fazendo)
rebentaremos porteiras
dos bois, burricos reais,
carneiros da realeza
e cercas não servirão.
E a começar desse dia
será Natal todo dia
será Natal cada ceia
em torno à luz da candeia.
¹ Basílio dos Santos: rábula, às vezes
defendia réus por delegação judicial.
² Manoel Pedro de Oliveira: juiz de direito.
³ Cursino de Azevedo: promotor público.
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